Da Avaliação Ambiental
Estratégica dos Planos de Ordenamento do Território
Índice: I. Introdução; II. Os planos
de ordenamento do território; III. A AAE dos planos de ordenamento do
território; IV. Síntese conclusiva.
Alessandro Azevedo
I.
Em tempo de revisão do Regime jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial (doravante RJIGT
),
afigura-se apropriado revisitar a temática da Avaliação Ambiental Estratégica
dos planos de ordenamento do território. O tema não é novo e teve algum
merecido destaque na doutrina aquando da transposição da diretiva europeia que
instituía a Avaliação Ambiental Estratégica (doravante AAE)
.
É compreensível. O diploma trazia para o Direito português a solução para uma
deficiência já há muito notada. Pese embora ser anterior a Avaliação de Impacto
Ambiental (doravante AIA), este instituto não se afigurava suficiente para
fazer face às exigências de proteção do ambiente à luz de uma plena aplicação
do
princípio da prevenção.
Vocacionada para a avaliação ambiental de projetos – públicos ou privados –, a
AIA incidia sobre matérias cujo constrangimento, à partida era evidente. Em bom
rigor os projetos sujeitos a AIA estão sempre grandemente condicionados pelas
disposições dos planos. E num quadro legal em que os instrumentos de gestão
territorial atingem, ou podem atingir, um profundo nível de pormenor, esses
condicionamentos são de monta podendo até ser de duvidosa utilidade e alcance a
AIA a realizar.
É inquestionável a centralidade
que os planos – e mormente os planos de ordenamento do território – têm sob o
ponto de vista estratégico a todos os níveis: social económico e também, desde
logo, ambiental. Por isso não se compreendia que a definição e conformação de
múltiplos interesses estratégicos pudessem estar isentas de análise do impacto
ambiental das normas vertidas nos planos. A AAE trouxe assim para a elaboração
dos planos a
incorporação dos valores
ambientais, como um processo contínuo e sistemático com lugar desde o início do
processo de decisão pública
.
O centro das preocupações ambientais sofre, assim, um deslocamento da fase da
execução do plano, através dos concretos projetos, para a fase da sua
elaboração, permitindo que os efeitos ambientais, a preocupação com o
desenvolvimento sustentável e as medidas aptas a reduzir o impacto negativo que
a decisão pública possa ter no ambiente possam ser considerados à partida. Por
outras palavras, a AAE é a garantia de uma aplicação antecipada do já referido
princípio da prevenção.
Claro está que as opções do
legislador europeu foram amplíssimas e não são somente os planos de ordenamento
do território que se veem sujeitos a AAE. Todavia, seguindo
Haumont, não é despiciendo constatar que
“o ordenamento do território e o urbanismo constituem o primeiro sector de
aplicação da diretiva”
.
O presente trabalho será, assim,
um breve excurso pela AAE dos planos de ordenamento do território, considerando
em primeira linha a dimensão procedimental problemática de elaboração desses
mesmos planos e o impacto de a AAE tem nessa fase. Começaremos com um breve
enquadramento das modalidades de planos do ordenamento em análise passando em
seguida, para cada um deles, a uma breve análise de alguns aspetos da AAE. De
fora fica a análise das vias de reação contenciosa quanto ao incumprimento,
pelo decisor público, das vinculações a que está obrigado uma vez que a matéria
cai já significativamente fora do âmbito da disciplina.
II.
Múltiplos são os critérios pelos quais se pode
fazer a distribuição e classificação dos planos do ordenamento do território.
As limitações deste trabalho, e os seus objetivos bem definidos, levam-nos a
sermos parcimoniosos neste ponto
.
Podemos classificar os planos com
base num critério de finalidade, dividindo-os em gerais, ou globais, sectoriais
e especiais. Os primeiros procedem a um ordenamento global do território, os
segundos têm como objeto a concretização de políticas diversas com impacto na
organização do território e os últimos salvaguardam interesse públicos
específicos como sejam os recursos e valores naturais.
São exemplos dos planos globais:
o Plano Nacional de Política de Ordenamento do Território, os Planos Regionais
de Ordenamento do Território, os Planos Intermunicipais e os Planos Municipais
(estando aqui incluídos o Plano Diretor Municipal, os Planos de Pormenor e os
Planos de Urbanização).
São exemplo de planos sectoriais
todos aqueles que visam o desenvolvimento de estratégias respeitantes a fatores
a cargo da administração central, como seja a matéria da agricultura, dos
recursos geológicos, da energia, etc.
Por fim, os planos especiais
podem incidir sobre o ordenamento das áreas protegidas, de albufeiras de águas
públicas, da orla costeira e do ordenamento dos estuários
.
Quanto ao conteúdo de cada de
cada um dos primeiros:
O PNPOT estabelece as grandes
opções nacionais em matéria de organização de todo o território nacional.
Constitui assim um referencial para todos os demais planos previstos no RJIGT e
é um instrumento de cooperação do Estado português com a União Europeia. Assim
dispõe o artigo 26.º RJIGT.
Os PROT definem uma estratégia
regional, procedendo a uma integração do PNPOT e das estratégias municipais de
desenvolvimento. Trata-se, nos termos do artigo 53.º RJIGT de um plano com
evidente influência em matéria de política ambiental. Quer, por exemplo, sob o
ponto de vista das áreas de interesses agrícola, florestal ou ambiental, quer
sob o ponto de vista da delimitação da estrutura regional de proteção e
valorização ambiental.
Os PIOT são instrumentos de desenvolvimento
integrado dos planos municipais, nos casos em que se impõe uma coordenação de
opções, e de articulação dessas opções de desenvolvimento com o PROT. O RJIGT
nos seus artigos 61.º e 62.º é sensível à possível influência dos PIOT em matéria
ambiental, nomeadamente sob o ponto de vista da estratégia intermunicipal de
proteção da natureza e do estabelecimento de objetivos mínimos a atingir em
matéria ambiental.
De maior relevância são os PMOT,
mormente o PDM, estabelecendo, nomeadamente, os parâmetros de uso do solo,
assim como a sua classificação, nos termos dos artigos 70.º e 72.º, n.º1.
RJIGT.
O PDM estabelece ainda a
estratégia de desenvolvimento territorial, e políticas urbanísticas, nos termos
do artigo 84.º RJIGT. Os PU concretizam a política de ordenamento do território
e de urbanismo para uma determinada área do território municipal, nos temos do
87.º, n.º 1 RJIGT. Os PP desenvolvem e concretizam propostas de ocupação de uma
determinada área de território e fixam regras de implantação de
infraestruturas, nos termos do artigo 90.º RJIGT.
No que diz respeito a impacto
ambiental, o PDM tem um lugar absolutamente central, no que diz respeito à
captação e tratamento de águas, proteção dos recursos naturais, definição da
estrutura ecológica municipal, etc., nos termos do artigo 85.º RJIGT. Quanto aos PU e PP, devem indicar os valores
naturais a proteger, nos termos do artigo 88.º RJIGT.
III.
Sob o ponto de vista da sujeição a Avaliação
Ambiental, a lei não apresenta uma solução unívoca para todos os programas a
que fizemos referência acima. Assim, impõe um regime de obrigatoriedade quanto
aos planos especiais, ao PDM e aos planos regionais de ordenamento do território.
Assim o dispõem os artigos 45.º, n.º 2, 54.º, n.º 2 e 86.º, n.º 2 RJIGT. A
sujeição dos demais planos a Avaliação Ambiental fica dependente da decisão do
órgão administrativo responsável pelo planeamento. Assim, quanto aos planos
sectoriais a decisão cabe ao ministro responsável em razão da matéria, nos
termos do artigo 38.º, n.º 2 RJIGT, quanto aos planos intermunicipais decidem
as assembleias intermunicipais e as assembleias municipais interessadas, nos
termos do artigo 64.º, n.º3 RJIGT, e quanto aos planos de pormenor e planos de
urbanização decide a câmara municipal, nos termos do artigo 74, nº. 5 e 6 RJIGT
.
Não se trata, é importante
esclarecer, de uma decisão absolutamente discricionária e dependente de um
juízo político de oportunidade. Os critérios pelos quais se deve orientar o
órgão administrativo na sua decisão de sujeição, ou não, de um determinado
plano a Avaliação Ambiental consta da lei. Como observam
Tiago Souza d’Alte e
Miguel Assis Raimundo, o decisor público
não é livre de optar por sujeitar, ou não, determinado plano ao regime da
Avaliação Ambiental. Deverá limitar-se, ao invés, a apurar sob o ponto de vista
técnico, se existem ou não impactos da decisão de planear no que ao Ambiente
diz respeito e, consoante a resposta, decidir por sujeitar ou não determinado
plano a Avaliação Ambiental. A decisão que daí é resulta é, com efeito, uma
decisão vinculada
uma vez
que resulta da imposição legal constante no artigo 3.º, n.º 1 RAEA, assim como
o seu anexo
É tempo de introduzir uma
consideração em torno da forma como o procedimento para AAE tem lugar no âmbito
da elaboração do plano
,
uma vez que cremos que um errado entendimento do que verdadeiramente está em
causa tem induzido em erro respeitável Doutrina. Seguindo de perto
Alves Correia, marcadamente influenciado
pela doutrina alemã
,
a doutrina tem acolhido com grande aceitação a tese da
incorporação. Em causa está a circunstância de o procedimento da AAE
se dever considerar
incorporado no
procedimento de elaboração do plano. O significado desta consideração leva a
que não se possa falar num procedimento autónomo, paralelo ou sequer enxertado
no procedimento de elaboração do plano. A AAE faz parte da elaboração do plano
de forma incindível. Representa a exigência de, durante a elaboração dos planos
de ordenamento do território as considerações de natureza ambiental serem
levadas em conta. Trata-se de atender à transversalidade da política ambiental
em todos os sectores da vida social. O ordenamento do território e o urbanismo seguem,
como dissemos na introdução, na linha da frente.
É por isso que nos causa
estranheza o posicionamento de
Francisco
Noronha. Aparentemente influenciado por considerações de natureza
política e duvidando da bondade e empenho dos autarcas na introdução das
considerações ambientais em sede de elaboração dos planos, o Autor defende a
introdução de comissões independentes – de constituição não identificada – em
várias fases da elaboração do plano. Refere-se nomeadamente a sujeição à AAE
quando ela não for obrigatória por lei – ficando por isso na dependência da
decisão da autoridade pública responsável pela elaboração do plano – e a
delimitação do objeto de análise do relatório ambiental
.
Salvo o devido respeito, não nos parece posição de acompanhar. Em primeiro
lugar porque a margem de discricionariedade deixada ao cuidado de quem deve
tomar a decisão de determinar se a elaboração do plano está ou não sujeita a
relatório ambiental e ainda a delimitação do objeto desse relatório não é tão
grande como a posição do Autor faz intuir. Pelo contrário, vimos já que se
trata de decisão vinculada. Além disso, a decisão está sujeita aos princípios
que vinculam o exercício da atividade administrativa. A intencional
inobservância das preocupações de natureza ambiental por parte das autoridades
administrativas não deixa de ser escrutinada pelos tribunais; e não o deixaria
ainda que a competência fosse amplamente discricionária. Em último lugar,
parece-nos que tal solução se mostra avessa ao regime de incorporação que o
legislador português decidiu adotar a respeito desta matéria e que o próprio
Fernando Noronha parece reconhecer como solução avisada.
Bem observam
Tiago de Souza d’Alte e
Miguel Assis Raimundo que este modelo,
subjacente à opção do legislador da União Europeia e nacional, representa a
integração dos fatores de ordem ambiental nos demais critérios decisórios,
permitindo a construção de um desenvolvimento sustentável. Assim, as
preocupações de natureza ambiental não surgem com um lugar próprio no seio de
processo decisório, mas sim a par das fatores de desenvolvimento social e
económico. Eis a razão que sustenta a posição que tomamos supra: a AAE não pode
deixar de estar ao cuidado da entidade que toma a decisão de planear que deve
decidir, desde logo, se o plano deve estar sujeito a avaliação ambiental
.
Servem estas considerações para
aflorar a questão da vinculatividade do relatório ambiental. De novo recorremos
às considerações de
Francisco Noronha.
O Autor sustenta na jus-fundamentalidade do Direito ao Ambiente
a vinculatividade do parecer. Acresce-lhe o facto de se tratar de um documento
de ordem técnico-científica para sustentar a sua posição. Salvo o devido
respeito, não nos parece posição de acompanhar. Desde logo porque não tem
suporte na letra da lei como se pode constatar ante a articulação entre o
artigo 75-A.º do RJIGT – referente ao PDM, circunstância em que o parecer é
sempre obrigatório – e o artigo 91º., n.º 2 do Código do Procedimento
Administrativo: salvo indicação expressa em contrário os pareceres são
obrigatórias mas não vinculativos. E depois porque a opção de atribuir
vinculatividade ao procedimento vai contra às considerações que fizemos acima:
os fatores ambientais acrescem aos demais – que podem ser de natureza social ou
económico – na decisão de planear. Surgem a par dos mesmos. E não numa posição
superior. Não significa esta nossa posição a adesão à tese de
Carla Vicente que defendia a
impossibilidade a atribuição de vinculatividade ao parecer com base na
autonomia do governo local constitucionalmente consagrado
.
Em primeiro lugar, a autonomia do poder local não é um princípio absoluto
(nenhum é). Em segundo lugar a autonomia do poder local não pode ser um óbice à
observância das imposições legais em matéria de proteção do ambiente. Em último
lugar estamos no campo do ordenamento do território, atribuição que a
Constituição prescreve a múltiplos entes nos termos do n.º 4 do artigo 65.º.
Além destes, participam na elaboração dos PDM várias entidades, em sede de
comissão de acompanhamento, aptas a representar todos os interesses presentes
nas opções de planeamento. Não fosse o planeamento do território uma das áreas
de mais difícil conformação dos múltiplos interesses em jogo.
Questiona-se, por último, o vício
de padecerá o procedimento de elaboração do plano que tenha prescindido do
relatório ambiental. A dúvida surge mais evidente com o regime das invalidades
do novo CPA: salvo se os factos circunstância em concreto couberem na previsão
de alguma das alíneas do artigo 161.º, mormente no que diz respeito à ofensa a
um Direito Fundamental, o que em abstrato não é equacionável, teremos de
admitir que a falta de relatório ambiental é sancionável com o regime da
anulabilidade
.
IV.
É tempo de concluir e de tomar posição. Tudo
aquilo que dissemos não pode deixar de estar, pelo menos de iure condendo,
sujeito à crítica livre do jurista. Nesse quadro, doutrina houve que foi
apresentando, como se viu, as suas reticências quanto às soluções que foram
encontradas. O nosso posicionamento foi sendo deixado ao longo do texto.
Estamos, todavia, em tempo de revisão do RJIGT e, como tal, este é o momento
indicado de apresentar o posicionamento quanto ao que deve, nesta matéria, ser
alterado.
Em bom rigor, as soluções que
foram encontradas merecem um balanço francamente muito positivo. No essencial,
está em causa a opção de sujeitar ou não determinado tipo de planos a AAE.
Vimos que há uma feliz concordância quanto ao âmbito material de cada um dos
tipos de planos e as exigências que sujeição a AAE. Por isso não acompanhamos a
doutrina que pretende estender a AAE para campos em que ela poderia ser, em bom
rigor, senão mesmo impossível, absolutamente inútil. Existe só uma ressalva que
não pode deixar de ser feita: em matéria de Planos Intermunicipais de
Ordenamento do Território não se compreende a opção de deixar a sujeição a AEA
na dependência das Assembleias Intermunicipais e Municipais interessadas.
Quando analisámos o impacto ambiental deste concreto instrumento, constatamos
que será verdadeiramente impossível que a sua elaboração não apresente fatores suscetíveis de ter efeitos significativos no
ambiente. Destarte, melhor será que o legislador imponha expressamente no
novo RJIGT a obrigatoriedade de AEA no que a PIOT diz respeito.
Por último, e ante a nova solução
do Código do Procedimento Administrativo, entende-se dever o novo RJIGT
sancionar com a nulidade os planos elaborados sem AEA quando a mesma se revelou
necessária. A envergadura dos interesses púbicos em causa não se compadece com,
por um lado, a possibilidade de a falta não ser sancionada com a nulidade e,
por outro, com o regime evidentemente mais condescendente da
anulabilidade.