quarta-feira, 13 de maio de 2015

Contestação Só Fumaça, SA

Colegas,
Aqui está a Contestação da Só Fumaça, SA.
https://www.dropbox.com/sh/xs65plfubz0ozfb/AADtnAqoIdGT8mvpdp78D6eua?dl=0


Cumprimentos,
Beatriz Pereira
Francisca Almeida
João Tavares
Leonor Serrasqueiro
Lígia Rocha
Luísa Mendonça
Rita Correia

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Da Avaliação Ambiental Estratégica dos Planos de Ordenamento do Território

Índice: I. Introdução; II. Os planos de ordenamento do território; III. A AAE dos planos de ordenamento do território; IV. Síntese conclusiva. 

Alessandro Azevedo
I.                    Em tempo de revisão do Regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (doravante RJIGT[1]), afigura-se apropriado revisitar a temática da Avaliação Ambiental Estratégica dos planos de ordenamento do território. O tema não é novo e teve algum merecido destaque na doutrina aquando da transposição da diretiva europeia que instituía a Avaliação Ambiental Estratégica (doravante AAE)[2]. É compreensível. O diploma trazia para o Direito português a solução para uma deficiência já há muito notada. Pese embora ser anterior a Avaliação de Impacto Ambiental (doravante AIA), este instituto não se afigurava suficiente para fazer face às exigências de proteção do ambiente à luz de uma plena aplicação do princípio da prevenção. Vocacionada para a avaliação ambiental de projetos – públicos ou privados –, a AIA incidia sobre matérias cujo constrangimento, à partida era evidente. Em bom rigor os projetos sujeitos a AIA estão sempre grandemente condicionados pelas disposições dos planos. E num quadro legal em que os instrumentos de gestão territorial atingem, ou podem atingir, um profundo nível de pormenor, esses condicionamentos são de monta podendo até ser de duvidosa utilidade e alcance a AIA a realizar.
É inquestionável a centralidade que os planos – e mormente os planos de ordenamento do território – têm sob o ponto de vista estratégico a todos os níveis: social económico e também, desde logo, ambiental. Por isso não se compreendia que a definição e conformação de múltiplos interesses estratégicos pudessem estar isentas de análise do impacto ambiental das normas vertidas nos planos. A AAE trouxe assim para a elaboração dos planos a incorporação dos valores ambientais, como um processo contínuo e sistemático com lugar desde o início do processo de decisão pública[3]. O centro das preocupações ambientais sofre, assim, um deslocamento da fase da execução do plano, através dos concretos projetos, para a fase da sua elaboração, permitindo que os efeitos ambientais, a preocupação com o desenvolvimento sustentável e as medidas aptas a reduzir o impacto negativo que a decisão pública possa ter no ambiente possam ser considerados à partida. Por outras palavras, a AAE é a garantia de uma aplicação antecipada do já referido princípio da prevenção.
Claro está que as opções do legislador europeu foram amplíssimas e não são somente os planos de ordenamento do território que se veem sujeitos a AAE. Todavia, seguindo Haumont, não é despiciendo constatar que “o ordenamento do território e o urbanismo constituem o primeiro sector de aplicação da diretiva”[4].
O presente trabalho será, assim, um breve excurso pela AAE dos planos de ordenamento do território, considerando em primeira linha a dimensão procedimental problemática de elaboração desses mesmos planos e o impacto de a AAE tem nessa fase. Começaremos com um breve enquadramento das modalidades de planos do ordenamento em análise passando em seguida, para cada um deles, a uma breve análise de alguns aspetos da AAE. De fora fica a análise das vias de reação contenciosa quanto ao incumprimento, pelo decisor público, das vinculações a que está obrigado uma vez que a matéria cai já significativamente fora do âmbito da disciplina.
II.                  Múltiplos são os critérios pelos quais se pode fazer a distribuição e classificação dos planos do ordenamento do território. As limitações deste trabalho, e os seus objetivos bem definidos, levam-nos a sermos parcimoniosos neste ponto[5].
Podemos classificar os planos com base num critério de finalidade, dividindo-os em gerais, ou globais, sectoriais e especiais. Os primeiros procedem a um ordenamento global do território, os segundos têm como objeto a concretização de políticas diversas com impacto na organização do território e os últimos salvaguardam interesse públicos específicos como sejam os recursos e valores naturais.
São exemplos dos planos globais: o Plano Nacional de Política de Ordenamento do Território, os Planos Regionais de Ordenamento do Território, os Planos Intermunicipais e os Planos Municipais (estando aqui incluídos o Plano Diretor Municipal, os Planos de Pormenor e os Planos de Urbanização).
São exemplo de planos sectoriais todos aqueles que visam o desenvolvimento de estratégias respeitantes a fatores a cargo da administração central, como seja a matéria da agricultura, dos recursos geológicos, da energia, etc.
Por fim, os planos especiais podem incidir sobre o ordenamento das áreas protegidas, de albufeiras de águas públicas, da orla costeira e do ordenamento dos estuários[6].  
Quanto ao conteúdo de cada de cada um dos primeiros:
O PNPOT estabelece as grandes opções nacionais em matéria de organização de todo o território nacional. Constitui assim um referencial para todos os demais planos previstos no RJIGT e é um instrumento de cooperação do Estado português com a União Europeia. Assim dispõe o artigo 26.º RJIGT.
Os PROT definem uma estratégia regional, procedendo a uma integração do PNPOT e das estratégias municipais de desenvolvimento. Trata-se, nos termos do artigo 53.º RJIGT de um plano com evidente influência em matéria de política ambiental. Quer, por exemplo, sob o ponto de vista das áreas de interesses agrícola, florestal ou ambiental, quer sob o ponto de vista da delimitação da estrutura regional de proteção e valorização ambiental.
Os PIOT são instrumentos de desenvolvimento integrado dos planos municipais, nos casos em que se impõe uma coordenação de opções, e de articulação dessas opções de desenvolvimento com o PROT. O RJIGT nos seus artigos 61.º e 62.º é sensível à possível influência dos PIOT em matéria ambiental, nomeadamente sob o ponto de vista da estratégia intermunicipal de proteção da natureza e do estabelecimento de objetivos mínimos a atingir em matéria ambiental.
De maior relevância são os PMOT, mormente o PDM, estabelecendo, nomeadamente, os parâmetros de uso do solo, assim como a sua classificação, nos termos dos artigos 70.º e 72.º, n.º1. RJIGT.
O PDM estabelece ainda a estratégia de desenvolvimento territorial, e políticas urbanísticas, nos termos do artigo 84.º RJIGT. Os PU concretizam a política de ordenamento do território e de urbanismo para uma determinada área do território municipal, nos temos do 87.º, n.º 1 RJIGT. Os PP desenvolvem e concretizam propostas de ocupação de uma determinada área de território e fixam regras de implantação de infraestruturas, nos termos do artigo 90.º RJIGT. 
No que diz respeito a impacto ambiental, o PDM tem um lugar absolutamente central, no que diz respeito à captação e tratamento de águas, proteção dos recursos naturais, definição da estrutura ecológica municipal, etc., nos termos do artigo 85.º RJIGT.  Quanto aos PU e PP, devem indicar os valores naturais a proteger, nos termos do artigo 88.º RJIGT.   

III.                Sob o ponto de vista da sujeição a Avaliação Ambiental, a lei não apresenta uma solução unívoca para todos os programas a que fizemos referência acima. Assim, impõe um regime de obrigatoriedade quanto aos planos especiais, ao PDM e aos planos regionais de ordenamento do território. Assim o dispõem os artigos 45.º, n.º 2, 54.º, n.º 2 e 86.º, n.º 2 RJIGT. A sujeição dos demais planos a Avaliação Ambiental fica dependente da decisão do órgão administrativo responsável pelo planeamento. Assim, quanto aos planos sectoriais a decisão cabe ao ministro responsável em razão da matéria, nos termos do artigo 38.º, n.º 2 RJIGT, quanto aos planos intermunicipais decidem as assembleias intermunicipais e as assembleias municipais interessadas, nos termos do artigo 64.º, n.º3 RJIGT, e quanto aos planos de pormenor e planos de urbanização decide a câmara municipal, nos termos do artigo 74, nº. 5 e 6 RJIGT[7].  
Não se trata, é importante esclarecer, de uma decisão absolutamente discricionária e dependente de um juízo político de oportunidade. Os critérios pelos quais se deve orientar o órgão administrativo na sua decisão de sujeição, ou não, de um determinado plano a Avaliação Ambiental consta da lei. Como observam Tiago Souza d’Alte e Miguel Assis Raimundo, o decisor público não é livre de optar por sujeitar, ou não, determinado plano ao regime da Avaliação Ambiental. Deverá limitar-se, ao invés, a apurar sob o ponto de vista técnico, se existem ou não impactos da decisão de planear no que ao Ambiente diz respeito e, consoante a resposta, decidir por sujeitar ou não determinado plano a Avaliação Ambiental. A decisão que daí é resulta é, com efeito, uma decisão vinculada[8] uma vez que resulta da imposição legal constante no artigo 3.º, n.º 1 RAEA, assim como o seu anexo    
É tempo de introduzir uma consideração em torno da forma como o procedimento para AAE tem lugar no âmbito da elaboração do plano[9], uma vez que cremos que um errado entendimento do que verdadeiramente está em causa tem induzido em erro respeitável Doutrina. Seguindo de perto Alves Correia, marcadamente influenciado pela doutrina alemã[10], a doutrina tem acolhido com grande aceitação a tese da incorporação. Em causa está a circunstância de o procedimento da AAE se dever considerar incorporado no procedimento de elaboração do plano. O significado desta consideração leva a que não se possa falar num procedimento autónomo, paralelo ou sequer enxertado no procedimento de elaboração do plano. A AAE faz parte da elaboração do plano de forma incindível. Representa a exigência de, durante a elaboração dos planos de ordenamento do território as considerações de natureza ambiental serem levadas em conta. Trata-se de atender à transversalidade da política ambiental em todos os sectores da vida social. O ordenamento do território e o urbanismo seguem, como dissemos na introdução, na linha da frente.
É por isso que nos causa estranheza o posicionamento de Francisco Noronha. Aparentemente influenciado por considerações de natureza política e duvidando da bondade e empenho dos autarcas na introdução das considerações ambientais em sede de elaboração dos planos, o Autor defende a introdução de comissões independentes – de constituição não identificada – em várias fases da elaboração do plano. Refere-se nomeadamente a sujeição à AAE quando ela não for obrigatória por lei – ficando por isso na dependência da decisão da autoridade pública responsável pela elaboração do plano – e a delimitação do objeto de análise do relatório ambiental[11]. Salvo o devido respeito, não nos parece posição de acompanhar. Em primeiro lugar porque a margem de discricionariedade deixada ao cuidado de quem deve tomar a decisão de determinar se a elaboração do plano está ou não sujeita a relatório ambiental e ainda a delimitação do objeto desse relatório não é tão grande como a posição do Autor faz intuir. Pelo contrário, vimos já que se trata de decisão vinculada. Além disso, a decisão está sujeita aos princípios que vinculam o exercício da atividade administrativa. A intencional inobservância das preocupações de natureza ambiental por parte das autoridades administrativas não deixa de ser escrutinada pelos tribunais; e não o deixaria ainda que a competência fosse amplamente discricionária. Em último lugar, parece-nos que tal solução se mostra avessa ao regime de incorporação que o legislador português decidiu adotar a respeito desta matéria e que o próprio Fernando Noronha parece reconhecer como solução avisada.
Bem observam Tiago de Souza d’Alte e Miguel Assis Raimundo que este modelo, subjacente à opção do legislador da União Europeia e nacional, representa a integração dos fatores de ordem ambiental nos demais critérios decisórios, permitindo a construção de um desenvolvimento sustentável. Assim, as preocupações de natureza ambiental não surgem com um lugar próprio no seio de processo decisório, mas sim a par das fatores de desenvolvimento social e económico. Eis a razão que sustenta a posição que tomamos supra: a AAE não pode deixar de estar ao cuidado da entidade que toma a decisão de planear que deve decidir, desde logo, se o plano deve estar sujeito a avaliação ambiental[12].
Servem estas considerações para aflorar a questão da vinculatividade do relatório ambiental. De novo recorremos às considerações de Francisco Noronha. O Autor sustenta na jus-fundamentalidade do Direito ao Ambiente[13] a vinculatividade do parecer. Acresce-lhe o facto de se tratar de um documento de ordem técnico-científica para sustentar a sua posição. Salvo o devido respeito, não nos parece posição de acompanhar. Desde logo porque não tem suporte na letra da lei como se pode constatar ante a articulação entre o artigo 75-A.º do RJIGT – referente ao PDM, circunstância em que o parecer é sempre obrigatório – e o artigo 91º., n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo: salvo indicação expressa em contrário os pareceres são obrigatórias mas não vinculativos. E depois porque a opção de atribuir vinculatividade ao procedimento vai contra às considerações que fizemos acima: os fatores ambientais acrescem aos demais – que podem ser de natureza social ou económico – na decisão de planear. Surgem a par dos mesmos. E não numa posição superior. Não significa esta nossa posição a adesão à tese de Carla Vicente que defendia a impossibilidade a atribuição de vinculatividade ao parecer com base na autonomia do governo local constitucionalmente consagrado[14]. Em primeiro lugar, a autonomia do poder local não é um princípio absoluto (nenhum é). Em segundo lugar a autonomia do poder local não pode ser um óbice à observância das imposições legais em matéria de proteção do ambiente. Em último lugar estamos no campo do ordenamento do território, atribuição que a Constituição prescreve a múltiplos entes nos termos do n.º 4 do artigo 65.º. Além destes, participam na elaboração dos PDM várias entidades, em sede de comissão de acompanhamento, aptas a representar todos os interesses presentes nas opções de planeamento. Não fosse o planeamento do território uma das áreas de mais difícil conformação dos múltiplos interesses em jogo.
Questiona-se, por último, o vício de padecerá o procedimento de elaboração do plano que tenha prescindido do relatório ambiental. A dúvida surge mais evidente com o regime das invalidades do novo CPA: salvo se os factos circunstância em concreto couberem na previsão de alguma das alíneas do artigo 161.º, mormente no que diz respeito à ofensa a um Direito Fundamental, o que em abstrato não é equacionável, teremos de admitir que a falta de relatório ambiental é sancionável com o regime da anulabilidade[15].  
IV.               É tempo de concluir e de tomar posição. Tudo aquilo que dissemos não pode deixar de estar, pelo menos de iure condendo, sujeito à crítica livre do jurista. Nesse quadro, doutrina houve que foi apresentando, como se viu, as suas reticências quanto às soluções que foram encontradas. O nosso posicionamento foi sendo deixado ao longo do texto. Estamos, todavia, em tempo de revisão do RJIGT e, como tal, este é o momento indicado de apresentar o posicionamento quanto ao que deve, nesta matéria, ser alterado.
Em bom rigor, as soluções que foram encontradas merecem um balanço francamente muito positivo. No essencial, está em causa a opção de sujeitar ou não determinado tipo de planos a AAE. Vimos que há uma feliz concordância quanto ao âmbito material de cada um dos tipos de planos e as exigências que sujeição a AAE. Por isso não acompanhamos a doutrina que pretende estender a AAE para campos em que ela poderia ser, em bom rigor, senão mesmo impossível, absolutamente inútil. Existe só uma ressalva que não pode deixar de ser feita: em matéria de Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território não se compreende a opção de deixar a sujeição a AEA na dependência das Assembleias Intermunicipais e Municipais interessadas. Quando analisámos o impacto ambiental deste concreto instrumento, constatamos que será verdadeiramente impossível que a sua elaboração não apresente fatores suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente. Destarte, melhor será que o legislador imponha expressamente no novo RJIGT a obrigatoriedade de AEA no que a PIOT diz respeito.
Por último, e ante a nova solução do Código do Procedimento Administrativo, entende-se dever o novo RJIGT sancionar com a nulidade os planos elaborados sem AEA quando a mesma se revelou necessária. A envergadura dos interesses púbicos em causa não se compadece com, por um lado, a possibilidade de a falta não ser sancionada com a nulidade e, por outro, com o regime evidentemente mais condescendente da anulabilidade.   



[1] Atualmente aprovado pelo DL 380/99, de 22 de Setembro.
[2] Pelo DL 232/2007, de 15 de Julho.
[3] Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, I, 4.ª Edição, Coimbra, 2012, p. 416.
[4] Droit Européen de l’Aménagement du Territoire et de l’Urbanisme, p. 109, apud Alves Correia, op. cit.,  419
[5] As classificações seguiram as orientações de Alves Correia, op. cit., pp. 369 e ss.
[6] Sobre a importância dos planos especiais em matéria de Direito do Ambiente, vide Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, in Tratado de Direito Administrativo Especial, I, coord. Paulo Otero e Pedro Gonçalves, 1.ª Edição – Reimpressão, Lisboa, 2013, p. 214.    
[7] Estas considerações valem somente quando nos referimos à elaboração dos planos ou a alterações de fundo uma vez que o RJIGT, no seu artigo 96.º, n.º 3, arreda das pequenas alterações aos instrumentos de gestão territorial a necessidade de sujeição a Avaliação Ambiental. O que seja uma pequena alteração fica no entendimento do órgão administrativo responsável por desencadear o processo de elaboração do plano. É uma boa solução. Compadece-se como nenhuma outra com pretensão de flexibilizar e agilizar os procedimentos de revisão dos planos de modo a que haja entre estes e as dinâmicas sociais um ajustamento efetivo. 
[8] O Regime Ambiental de Planos e Programas e a sua integração do Edifício da Avaliação Ambiental, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 29/30, Jan./Dez. 2008, p 137.
[9] Por limitações de espaço, optámos por introduzir a dimensão controversa do problema uma vez que a restante dimensão procedimental ocorre em termos inequivocamente previstos no RJIGT.
[10] Op. cit., p. 423.
[11] A Avaliação Ambiental Estratégica no âmbito do RJIGT- estudo das imbricações procedimentais e substantivas da avaliação ambiental dos planos urbanísticos, in Revista do CEDOUA, n.º 32, 2013, p. 76 e ss.  
[12] Op. cit., p. 139 a 141.
[13] Não tomaremos aqui posição no debate em torno do conteúdo e configuração das relações jurídicas em matéria de Direito do Ambiente. Veremos que tal não se afigure necessário para a construção da nossa posição.
[14] Pese embora a posição da autora ser anterior ao RAAE, não se quer deixar de se fazer a alusão.
A proteção Jurídica dos Espaços Verdes Urbanos, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº. 15/16, Jun./Dez. 2001, p. 119. 
[15] É verdade que no anterior regime seria facilmente equacionável a possibilidade de arguirmos a nulidade por falta de um elemento essencial. Hoje essa previsão desapareceu do CPA. Resta-nos aguardar pela solução consagrada no futuro RJIGT. 
Considerações em torno do Princípio do Poluidor-Pagador
Breve análise face à matéria dos Auxílios de Estado no quadro pós-2008


Alessandro Azevedo

It is the rule of inverse relevance: the less you intend to do about something, the more you have to keep talking about it.
Sir Arnold Robinson, in Yes Minister, BBC Television, 1980.

I.  Razão da ordem; II. O Princípio do Poluidor Pagador; III. O Enquadramento Comunitários dos Auxílios de Estado a Favor do Ambiente; IV. Conclusões.

I.                    O discurso jurídico e político que foi tendo lugar em torno da matéria dos Auxílios de Estado a favor do ambiente caracterizou-se, desde a primeira hora, por uma ideia essencial: a da provisoriedade. Na verdade, são bem conhecidas as objeções que os auxílios de Estado merecem às instituições da União Europeia, uma vez que se tratam de um mecanismo com potencial efeito perverso sobre a concorrência, elemento basilar da construção do mercado comum. Em matéria de ambiente acrescia um fator de central importância: o Princípio do Poluidor-Pagador (PPP). Sendo parte de uma ideia (concretizável num princípio) de responsabilização[1], o PPP era um óbice de peso à assunção da possibilidade de existirem Auxílios de Estado a favor do ambiente: se os agentes económicos devem suportar a totalidade do custo social das suas atividades, nenhum sentido faz pagar para não se poluir. Em bom rigor, é ao agente económico que suporta os custos decorrentes da circunstância de ter poluído. Pagar para não poluir significa inverter a lógica subjacente ao princípio.
Sobre a forma como a Comissão Europeia encara o PPP falaremos a seguir. Para já importa delimitar com rigor o objeto deste trabalho:
Desde os anos 70 até aos nossos dias, tendo por base uma preocupação de transparência e segurança jurídica, a Comissão Europeia tem emitido Enquadramentos Relativos aos Auxílios de Estado a Favor do Ambiente[2]. Esses documentos são revistos periodicamente tendo por base a preocupação de os manter atualizados face às novas orientações políticas da União e também a preocupação de os adaptar às exigências que vão surgindo em função da experiência adquirida. Em causa está, portanto e também, uma boa prática legal evaluation. Até 31 de Dezembro de 2014 esteve em vigor o Enquadramento que analisaremos aqui e que representa o cerne deste trabalho. Era expectável uma revisão mas dela não há ainda notícia. Como bem observa Cláudia Soares, “ao longo dos (…) últimos anos, os critérios foram sendo renovados, sem, contudo, terem sido alguma vez radicalmente alterados”[3]. Cremos que, ainda que o enquadramento de 2001 que esteve em vigor anteriormente tenha sido com algum detalhe analisado pela Doutrina, não perde interesse o objeto deste trabalho. Porque nos permite atualizar aquilo que já sabemos face ao Enquadramento anterior à luz das novas exigências e preocupações da União em matéria de política ambiental e porque nos permite testar a sempre muitíssimo apregoada provisoriedade dos Auxílios de Estado a favor do ambiente: em causa está a saber se se trata de caminharmos para a sua concretização. Ou se só falamos dela para, recorrendo ao ensinamento do célebre personagem Sir. Arnold Robinson, garantirmos que a sua realização está tão longe quanto possível. Diga-se já, a título de exemplo, que em 2007, quando a Comissão se preparava para proceder à revisão do anterior Enquadramento e iniciava a elaboração deste, afirmava, em questionário enviado aos Estados-Membros que seria equacionável proceder a um alargamento do âmbito da permissão de concessão de Auxílios de Estado a favor do ambiente[4]!

As limitações que nos são impostas por um trabalho desta natureza não permitem grandes aprofundamentos no que diz respeito, nomeadamente, à matéria dos Auxílios de Estado. Neste quadro, limitamo-nos a analisar o indispensável para o objetivo a que nos propomos. Verdadeiramente indispensável afigura-se, em primeira linha, uma caracterização sumária do PPP. Cremos que ficou já demonstrado que tal Princípio ocupa um lugar central nesta discussão. Assim, por um lado olharemos para a caracterização do Princípio na sua dimensão original, e por outro desenvolveremos a visão que a Comissão Europeia foi afirmando relativamente ao mesmo. Esse fator constituirá o primeiro elemento de análise.
Em seguida impõe-se a análise do Enquadramento dos Auxílios de Estado a Favor do Ambiente: analisando em primeira linha os fatores que motivam a sua aceitação e, por outro, uma breve e genérica análise do que o Enquadramento nos trouxe de novo. Como dissemos, o Enquadramento de 2001 mereceu já atenção da Doutrina. Não vale a pena voltarmos aí. Assim, limitar-nos-emos a expor os pontos que constituíram novidade e que são relevantes para darmos resposta às perguntas que colocámos.
II.                  O Princípio do Poluidor-Pagador surge com destaque na cena internacional no ano de 1972 por iniciativa da OCDE. Em causa estava uma Recomendação relativa às matérias de Economia Internacional e políticas Ambientais onde podia ler-se:
“O poluidor deve suportar as despesas das medidas decididas pelas autoridades públicas para assegurarem um ambiente num estado aceitável. Por outras palavras, os custos destas medidas devem-se refletir no custo dos bens e serviços que causam poluição seja na produção, seja no consumo. Tais medidas não devem ser acompanhadas por subsídios que criariam distorções significativas no comércio internacional e no investimento.”[5]
Quer tudo isto significar que face à externalidade negativa que a poluição representa, tornava-se necessário fazer impender sobre o agente económico responsável por essa mesma poluição os custos sociais que daí advinham. Só assim o preço final do produto representaria a totalidade do custo social que decorria da sua obtenção. Há, como bem observa Carlos Baptista Lobo, seguindo de perto Gomes Canotilho[6], uma dimensão eminentemente preventiva no PPP que o afasta da dimensão própria do instituto da responsabilidade civil. E é no âmbito dessa dimensão preventiva que está presente no Ato Único Europeu que o PPP passa a merecer também consagração no quadro do Direito das Comunidades Europeias. Significa isto que as Comunidades só despertam para a necessidade da consideração do PPP em 1987? Com certeza que não. Já em 1975 no Primeiro Programa de Ação em matéria de meio ambiente, esse aspeto estava salvaguardo[7].

Pode já dizer-se que pese embora a centralidade que o PPP tem na definição da política ambiental da União e a centralidade que a política ambiental tem na construção do projeto Europeu, a Comissão encarou sempre o princípio como um objetivo impossível de atingir no curto prazo, afirmando sempre a opção pela adoção de uma fase de transição ao longo da qual o mesmo seria progressivamente implementado.

O afastamento do PPP era então absolutamente declarado: a Comissão entendia que tal era salutar e que os efeitos perversos que daí pudessem advir eram convenientemente compensados pela circunstância de esta ser a via adequada à mais rápida e melhor prossecução da defesa do meio ambiente como projeto de interesse comum. Importa ressalvar: o afastamento do PPP só era consentido no padrão mínimo necessário. E assim continuou a ser.

É importante que, pese embora sermos refratários quanto a alguma leviandade com que vemos ceder um princípio de vital importância para a responsabilização em matéria ambiental como é o PPP, seguindo de perto Vasco Pereira da Silva nas suas lições orais, a verdade é que não deixamos de compreender que, não obstante a transversalidade que a política ambiental tem no seio da União, como se reforçará adiante, a verdade é que acreditamos serem atendíveis as motivações que levaram a Comissão a entendimento a que se fez referência. Não se ignore que a defesa da proteção do ambiente no quadro das então Comunidades – hoje União – surge inserida na defesa da construção de um mercado comum. E isto significa que uma aplicação flexível do princípio que atente, nomeadamente, às disparidades socioeconómicas dos diferentes Estados Membros, e à capacidade dos agentes económicos para se adaptarem às novas regras que foram surgindo em catadupa nos merece aplauso.

Todavia, o caminho tem sido o do progressivo alargamento da permissão de atribuição de subvenções estatais. E de um reiterado protelar da aplicação do PPP tal e qual a OCDE o pretendeu já em 1972. É esse estado a que isto chegou que nos mereces críticas. E é nesse ponto que nos debruçamos no capítulo seguinte.    
      
III.                Ao PPP presidiu, como se disse, a necessidade de, numa dimensão preventiva, fazer internalizar em cada agente económico responsável pare emissão de poluição a externalidade (negativa) daí decorrente por via a fazer refletir no preço final do produto no mercado a totalidade do seu custo social. Pode contudo verificar-se a situação contrária: aquela em que o preço final do produto no mercado é inferior ao real valor que tem para a sociedade. Falamos aqui de externalidade positiva. Também aqui se revela necessário operar a internalização. Tal ocorre através da concessão de subsídios. Aí temos uma primeira motivação que preside à cedência da proibição de atribuição de subvenções públicas, ou seja, de Auxílios de Estado.   

Todavia, à luz do PPP não se afigura esta como a situação mais problemática. Verdadeiramente só o é aqueloutra em que a concessão do Auxílio de Estado surge da necessidade de mitigar o impacto económico de normas que impõe novas regras em matéria de proteção do ambiente. Ou seja, é nesta segunda situação que verdadeiramente se inverte a lógica que preside à instituição do PPP: o agente económico deixa de pagar por poluir. E é beneficiado se o não fizer. Quer isto significar que é beneficiado por cumprir com uma obrigação a que não podia fugir em virtude de a ela estar sujeito pelas normas de proteção do ambiente.

O contexto supra descrito representou o essencial dos motivos justificativos da permissão de atribuição de Auxílios de Estado a favor do ambiente.

Atendendo ao último aspeto que referimos, em Novembro de 1974 a Comissão elaborou o primeiro memorando referente à atribuição de auxílios de Estado a favor do ambiente. Em causa estava, à data, a motivação de fomentar a adaptação das empresas e duas suas instalações às novas regras que começavam então a surgir em matéria de proteção do ambiente[8].    
Esse é o período em que, acompanhando os movimentos que se afirmavam na cena internacional em matéria de preocupações ambientas, surgem também no seio das Comunidades Europeias um arsenal de normas referentes aos principais parâmetros ambientais que careciam de execução. Essas normas significaram, o mais das vezes, a assunção de encargos de elevado nível de onerosidade que, a serem aplicados sem mais poderiam ser um óbice à presença de agentes económicos no mercado. Quanto a provisoriedade a que nos referíamos na introdução: ei-la. O elevado interesse de que o cumprimento das metas se revestia para o interesse comum das Comunidades justifica que, num período transitório, e sob aparteados critérios, fossem concedidos Auxílios de Estado a favor do ambiente.
Este memorando foi de vital importância e pode dizer-se que enformou a visão que pelas Comunidades subsistiu em matéria de política ambiental. Com o Ato Único Europeu verifica-se a institucionalização de todos estes desenvolvimentos, há lugar à consagração do PPP e a política ambiental ganha uma dimensão transversal. O mesmo é dizer que a partir de então a preocupação com a proteção do ambiente passa a estar presente em todas as demais políticas sectoriais da União. Bem se vê: até na política de concorrência.
Verifica-se uma nova fase no que diz respeito aos mecanismos ao dispor para efeitos de execução das políticas ambientais, surgem os impostos e as taxas como fator de dissuasão de determinados comportamentos mas a Comissão entende que a possibilidade de atribuição de subsídios continua a merecer um papel central. Estávamos no final dos anos 80. Em 1994 as orientações de 1974 são revistas e os Auxílios de Estado voltam a surgir com o seu habitual carácter provisório. Até hoje.
a)                      Se por um lado é bem verdade que em matéria de ambiental o Tratado de Lisboa pouco trouxe de novo ao Direito da União Europeia, por outro é também insofismável que a introdução de uma referência às alterações climáticas como nova temática a referir entre os objetivos da União se afigura de grande relevância. Como observa Tiago Antunes[9], a preocupação relativa a essa matéria não surge só no Tratado de Lisboa e está também presente na ação das instituições comunitárias antes da assinatura e da entrada em vigor do Tratado.
Preparado em 2007, o Enquadramento Comunitário dos Auxílios Estatais a Favor do Ambiente surge também sob essa égide, enunciando em primeira linha os compromissos assumidos pela União em matéria de emissão de gases de efeito de estufa a respeitar até 2020.
Na mesma senda surge a política de Energia que passa a ganhar também um lugar no TFUE. Pese embora a existência de motivações de ordem económica para esta nova perceção que se desenvolve em torno da política energética e que transcende as preocupações ambientais, não deixa de ser verdade que a matéria surge no contexto de um binómio que considera a matéria de política de Energia a par das novas preocupações em matéria de alterações climáticas. Como ponto fulcral do encontro entre elas surgem as energias renováveis. Têm ocupado um papel central em matéria de política energética da União e tal é também evidente no Enquadramento[10].
Face ao Enquadramento de 2001[11] – que resultou de uma revisão levada a cabo pela Comissão a partir de 1999 – o documento emitido em 2008[12] revela-se de uma enorme complexidade e profundidade sendo muitíssimo mais abrangente que o primeiro. É bem verdade que a matéria das energias renováveis merece já menção no início do século. Contudo, e em virtude da articulação com as preocupações decorrentes das alterações climáticas a que já se referiu, é no Enquadramento de 2008 que a questão merece regulação mais detalhada e alargada. O mesmo se diga a respeito da matéria concernente à emissão de gases de efeito de estufa.

Antes de avançarmos, importa ter em atenção que o atual Enquadramento é já sensível aos desenvolvimentos qua a matérias dos Auxílios de Estado sofreu decorrentes, nomeadamente da Estratégia de Lisboa. Está hoje formalizado um princípio de equilíbrio que visa uma análise económica da atribuição de cada Auxílio de Estado. De um lado surge o benefício para a realização de um interesse comum; do outro surgem os efeitos potencialmente negativos que possam verificar-se em matéria de trocas comerciais e de distorção da concorrência: do saldo líquido resultante dessa ponderação sairá a decisão de permissão, ou não, da atribuição do Auxílio de Estado[13].
Além disso, impõe-se que o Auxílio seja o instrumento adequado, seja incentivador, necessário e proporcional. É certo que estas exigências têm impacto nomeadamente em matéria procedimental. Os Auxílios só são concedidos se a conduta do agente económico ainda não se tiver iniciado, não pode haver concessão de Auxílios para fazer face a normas que já se encontrem em vigor e além disso só deverá haver atribuição de um Auxílio se não houver lugar a uma medida de nível inferior.[14] Verdadeiramente suscetível de reparo é o critério da adequação: mais uma vez, sob o pretexto de o PPP não bastar para a prossecução das políticas da União em matéria ambiental, é deixada uma margem muitíssimo ampla para a concessão de Auxílios de Estado. Em bom rigor, demasiado ampla.
Outra inovação apresentada pelo Enquadramento é a eco-inovação. Definida como incluindo todos os tipos de atividades inovadoras que conduzam ou visem uma melhoria significativa a nível da proteção do ambiente[15], a matéria estava arredada do anterior Enquadramento que a remetia para o Enquadramento referente à inovação. Esta alteração não pode deixar de merecer aplauso. Porque aqui o Auxílio visa a internalização de uma externalidade positiva e não se verifica nenhuma inversão da lógica subjacente ao PPP.
Merecem ainda atenção o apoio aos transportes menos poluentes, à realização de estudos ambientais, à poupança de energia e à utilização de energias renováveis[16]. E mais uma vez a solução não pode ser isenta de críticas. Se quanto às energias renováveis a Comissão demonstra as dificuldades que para os agentes económicos decorrem da utilização de energias renováveis se em confronto com os modos convencionais – tendencialmente mais baratos – o mesmo já não se verifica no que diz respeito à compra dos transportes menos poluentes, por exemplo. Não fica demonstrado que a regulação, método tradicional de intervenção dos poderes públicos, não se revela aqui o método mais eficaz. Com um mérito acrescido: é mais conforme com o PPP.
Referência ainda à co-geração e aquecimento urbano[17]: aqui parece-nos estarmos diante de uma internalização de externalidades positivas. De novo, nenhum problema se coloca com o PPP.

Havíamos definido como propósito deste trabalho analisar os principais traços inovadores do Enquadramento Comunitário dos Auxílios Estatais a Favor do Ambiente. Estes são os que, em traços gerais, se nos revelam mais pertinentes. Muito haveria ainda para dizer. Mas as limitações não o consentem. Ficam por analisar nomeadamente o termos que compatibilizam o Enquadramento com os Tratados e a matéria de procedimento. Cremos não se revelar necessário. As alterações não são significativas: mantém-se um apoio às PME’s, o que é salutar, e existe uma majoração em virtude de estarmos no âmbito da eco-inovação, o que já se aplaudiu. Para sede de conclusões, deixamos uma breve crítica.
IV.               O que se disse demonstra o que já prevíamos à partida: o alargamento operado pelo Enquadramento de 2008 afastou a União da plena aplicação da PPP. Em bom rigor, a proclamação sacramental segundo a qual o PPP é a regra e o Auxílio a exceção não tem, como se demonstrou, respaldo neste documento. Às necessidades amplamente reconhecias nos anos 70 e que levaram a uma prolação da aplicação do PPP em toda a sua efetividade foram-se somando elementos que deixam hoje o Princípio ainda mais longe de uma efetiva aplicação.

Como se dizia na introdução, inspirados por Sir. Arnold Robinson, o processo de aplicação gradual do PPP parece servir para que, em bom rigor, o Princípio não se venha a aplicar jamais.
    
      



[1] Nesse sentido, vide o Princípio n.º 16 da Declaração do Rio.
[2] Em bom rigor, em 1974 emitiu um memorando.
[3] Enquadramento Comunitário dos Auxílios Estatais a Favor do Ambiente, in Revista CEDOUA, Ano II, 1999, p. 57.
[5] Recomendação C (72), 128 de Maio de 1972. 
[6] Imposto ambiental – Análise Jurídico-financeira, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Nº. 2, 1994, pp. 30 e 31.
[7] Neste sentido: Carmen Plaza Martin, Derecho Ambiental de la Unión Europea, Tirant lo Blanch, pp. 175 e ss. 
[8] Cláudia Soares, op. cit., p. 55.
[9] O Ambiente no Tratado de Lisboa: Uma relação Sustentada, in Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente, Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2013, pp. 259 e ss. 
[10] Assim, Tiago Antunes, op. cit., pp. 265 e ss.
[11] JOUE C 37/2001.
[12] JOUE C 82/2008 (Doravante: Enquadramento.)
[13] Enquadramento, 1.3.
[14] Enquadramento, 1.3.3 a 1.3.5.
[15] Enquadramento, 2.2.
[16] Enquadramento, 1.5.2 a 1.5.7.
[17] Enquadramento, 1.5.7.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Os Bens Ambientais como Bens de Interesse Comum da Humanidade


Em 1832, Andreas Bell lançou a ideia dos oceanos como “herança indivisa da Humanidade”, abordando, pela primeira vez, a ideia de “património da Humanidade”. Já no século XX, o então Embaixador de Malta na ONU, Arvid Pardo, num discurso na 1.ª Comissão da Assembleia Geral da ONU, em 1967 defendeu a ideia de que os oceanos deveriam ser uma herança de toda a humanidade, uma ideia igualitarista que agradou os Estados menos desenvolvidos. Também na Declaração de Estocolmo, em 1972, foi novamente colocada em cima da mesa essa questão, através do princípio 5 que exortava à exploração racional dos recursos não renováveis e à afectação desta exploração ao interesse comum da Humanidade. Um caso concreto que aderiu a esta fórmula foi o Tratado da lua e outros corpos celestes, de 1979, em que não se estava perante uma zona submetida à jurisdição dos estados.

Contudo, a Declaração de Estocolmo entrava em conflito directo com a soberania do Estado sobre o seu território que estava sob sua jurisdição. Ou seja os estados não haveria nenhum dever geral de prevenção de danos ambientais oponível ao Estado moderno dentro da sua jurisdição para além da obrigação de indemnizar os prejuízos causados pelos danos ambientais.

Assim, quanto aos bens ambientais de interesse colectivo estes podem resultar de uma qualificação convencional e envolvem bens fora da jurisdição estadual (p.e a Lua), ou podem ser de qualificação por um órgão supranacional independente (p.e Convenção da UNESCO relativa à protecção do património mundial, cultural e natural.

Outro problema, a par do problema da soberania – e porventura com este relacionado – está o da legitimidade, quer para requerer a classificação, quer para sindicar as violações das obrigações de conservação de bens. Neste ponto, importa referir a relevância das ONG’s, tanto nas denúncias à violação de obrigações como para levar as mesmas ao conhecimento das instâncias internacionais. Outra hipótese, ainda que pouco exequível, seria a de viabilizar uma acção colectiva por um conjunto representativo de estados.


Quanto à competência internacional para apreciar e julgar violações de deveres de conservação dos bens de interesse colectivo da humanidade, este seria o Tribunal Internacional de Justiça. Em alternativa poder-se-ia criar uma instância mundial para julgar os litígios ambientais.


João Tavares
nº 21932